16/01/2014

A PEQUENA HORTA


Sr. Manolo era um velhinho de origem espanhola, de hábitos simples, olhos bondosos e sorriso agradável. As faces enrugadas, os cabelos completamente brancos, o corpo curvado e o modo de andar vagaroso mostravam a idade bastante avançada do simpático velhinho.

De fato, o Sr. Manolo muito vivera e, também muito sofrera. A esposa querida e os filhos adorados já haviam partido e, vivendo sozinho, sem família, sua vida seria bem triste se não dedicasse sua atenção à pequena, mas preciosa horta, que cultivava com muito carinho.

Ali passava os dias cuidando das plantas, e seu trabalho era recompensado: sua horta era linda! A mais bem tratada da vizinhança! Todos a admiravam, e não havia quem não tivesse provado as deliciosas frutas e verduras que o Sr. Manolo, generosamente, gostava de oferecer aos vizinhos. Assim vivia nosso velhinho, sempre ocupado com a bonita horta que lhe trazia tanta alegria.

O tempo ia passando, passando, até que aconteceu uma coisa que o Sr. Manolo não esperava.

Num domingo, em que saíra para dar um passeio, ao voltar à casa encontrou sua horta em completo rebuliço: as belas plantas floridas, as verduras e frutas, tudo aquilo que era o encanto de sua vida, estava quase que inteiramente destruída.

Tamanha foi a emoção que não pôde dizer uma única palavra. Apenas as lágrimas, que lhe rolavam pela face envelhecida, mostravam o sofrimento que lhe ia na alma.

- Quem teria sido? - pensava ele - quem o ferira, assim, com tanta maldade?

E o Sr. Manolo chorava, olhando as mãos cheias de calos, como que perguntando se ainda teria forças para refazer sua querida horta.

Depois, mais sereno, começou a passar os olhos pela plantação estragada. Achou, então, atirada ao solo, uma pá que não era sua. Examinado-a com atenção, reconheceu as iniciais que nela estavam gravadas e ficou, por algum tempo, com a pá nas mãos, imóvel, pensativo. Seu olhar fixo, no entanto, demonstrava a grande luta que havia em seu espírito.

Que devia fazer?

Dar parte as autoridades?

E o velhinho pensava, pensava...

Finalmente, com um profundo suspiro e balançando a cabeça com tristeza, afastou-se da horta, levando para casa a pá que encontrara.

Alguns dias se passaram. Estava o Sr. Manolo sentado à frente de sua casa, quando aproximou-se seu vizinho Pedro, para pagar-lhe uma conta antiga. Ouviu com delicada atenção, as desculpas do vizinho, que lhe explicava as razões da demora, e, quando Pedro abriu a carteira, falou-lhe com bondade:

- Não amigo, não preciso desse dinheiro. Você tem filhos pequenos e sei que está passando por dificuldades. Não se preocupe mais com o pagamento. Tanto recusou o Sr. Manolo que Pedro muito agradecido, porém, um pouco confuso, voltou para casa.

Novos dias se passaram. Certa noite, fria e chuvosa, o Sr. Manolo acordou com barulhos estranhos na casa do vizinho Pedro. Gemidos, correrias... Que estaria acontecendo?

Preocupado levantou-se e dirigiu-se para lá. Encontrou Pedro muito aflito, sem saber o que fazer, a esposa gravemente enferma, gemia na cama e ele não se animava a deixá-la para ir buscar o médico.

- Não se aflija, amigo, eu irei - disse o velhinho, prestativo - ainda tenho disposição para enfrentar o mau tempo. Sem esperar resposta, lá foi ele, curvado sob a forte chuva à procura do médico. Em breve voltaram e a doente foi atendida.

No dia seguinte, Pedro, muito pálido e abatido, caminhava pela sua horta ainda alagada pela chuva da véspera. Suas passadas incertas, seus gestos nervosos e, sobretudo, os olhos cheios de aflição, revelavam a confusão que lhe ia na alma. Pedro pensava e murmurava com voz trêmula:

- Que vergonha, meu Deus! Quanta maldade trago no coração! Como pude estragar tanta coisa?

Se o Sr. Manolo soubesse... Ele, que é tão bom e tanto tem me ajudado...

E Pedro lembrava o dia infeliz em que, embriagado, destruíra quase toda a horta do vizinho, aquele prodígio de trabalho e paciência que sempre invejara. Lembrava-se bem do que fizera e da pá que abandonara, entre as plantas caídas. Várias noites fora procurá-la, mas não encontrara. Onde estaria ela, o instrumento com que praticara tão feia ação.

- Se o Sr. Manolo a descobrisse, jamais me teria socorrido - murmurava sempre caminhando, embaraçado com a idéia de que o vizinho pudesse saber a terrível verdade.

Nisto, parou, admirado. Rápido abaixou-se e puxou o cabo de um instrumento que percebera como que caído ao acaso, entre os canteiros de sua horta. Era uma pá! Como fora parar ali?

Examinou melhor o lugar: era perto do muro, justamente no ponto de mais fácil acesso.

Pedro, compreendeu tudo:

- O Sr. Manolo já sabia que fui eu quem estragou as plantações tão bem cuidadas! E havia devolvido a pá que poderia provar a minha culpa!

Então, sem mais demora, Pedro correu a casa do velho espanhol. Encontrou-o trabalhando ativamente:

- Olá, amigo seja bem-vindo! - disse o velhinho, parando e apoiando-se na enxada.

Pedro aproximou-se humildemente. Quis falar e não pôde, soluços lhe sufocaram a voz. Ajoelhou-se aos pés do velhinho e beijou-lhe as mãos, molhando-as com suas lágrimas.

O Sr. Manolo, comovido, sem nada comentar, olhava-o com bondade, fazendo, contudo, com que o vizinho se levantasse.

Pedro ergueu-se e, animado pelo sorriso acolhedor do velhinho, enxugou as lágrimas, e disse:

- Perdão! Perdoa-me, eu estava bêbado e coberto de inveja quando destruí sua horta. Perdão!

Depois, silenciosamente, pegou a enxada e começou a capinar vigorosamente, com o firme desejo de desfazer os prejuízos que causara àquele bom homem que já o havia perdoado.


“Errar é humano. Perdoar é Divino”.

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